O grafite que constrói coisas belas
Para Mariana Degani e Verônica Alves, as Pupillas, a arte de
rua é um ato político capaz de humanizar o cotidiano. Múltiplas belezas e jeitos de viver são alguns dos fatores
que inspiram o trabalho de Mariana e Verônica.
Comunicar
poesia por uma linguagem autoral de ilustração foi o que motivou as artistas
visuais Mariana Degani e Verônica Alves a criarem o projeto Pupillas, em 2007.
Paulistanas, ambas já percorreram vários países espalhando suas ilustrações e
se especializando. No
Brasil, é possível encontrar sua arte em paredes comerciais, residenciais e
street arts em cidades como São Paulo, Curitiba, Vitória e Rio de Janeiro. O
trabalho das duas artistas também está presente em locais como Buenos Aires,
Lyon, Toulouse, Paris, Marselha, Antuérpia e Berlim.
Inicialmente,
elas se graduaram em design de moda e trabalharam com estilo e produção, até
que a paixão pela poética visual as encaminhou para a ilustração. As
artistas testam constantemente novas superfícies para seus traços. Ilustraram
paredes, tecidos, peças decorativas e até pele.
Quais são as influências de vocês e qual é a principal
proposta do Pupillas?
Pupillas: Nosso
trabalho é reflexo de nosso olhar e interpretação do que nos inspira. Coisas
belas nos inspiram. As diferentes e múltiplas belezas de pessoas, da natureza,
formas, jeitos de viver, sensações. Também somos inspiradas pelas coisas que
não são nem um pouco belas, como os tabus, o desejo por padronizar pessoas e
comportamentos, a aridez de espaços e sentimentos. Essas coisas nos inspiram no
sentido de propor questionamentos, criar novas óticas sobre cada coisa. O
exercício pessoal de desconstruir achismos e construir novas formas. E aí
voltamos para beleza. Nosso trabalho, mesmo quando manifesto, é tecido de
elementos que capazes de produzir prazer aos olhos do observador.
Vocês costumam grafitar muros e outros espaços públicos. Na
opinião de vocês, o que essas ilustrações podem trazer para as pessoas que
passam por esses espaços? Qual é o papel do grafite no meio urbano? Há um papel
político ou é apenas estética?
Grafitar espaços
públicos significa colocar a sua arte à disposição de qualquer transeunte. Não
é preciso ir à galeria, ao museu, ou a espaços que muitas vezes intimidam e são
desconhecidos por muita gente. Ocupar com cores espaços que muitas vezes são
ocupados pelo cinza normativo já é em si um ato político. Traz questionamentos
e reflexões ao cotidiano de pessoas que nem sempre estão procurando por isso.
O grafite que vocês produzem também pode ser uma opção para
decoração de residências? Como é a procura desse trabalho? Há muitas pessoas
encomendando grafites para a própria casa?
Sim! Na verdade, o
caminho que fizemos para chegar no grafite veio da ilustração. Foi procurando
novas superfícies e tamanhos que chegamos nas paredes. E as paredes
residenciais vieram antes que as das ruas. O papel não deu mais conta. Pintamos
a mesa. Quando a mesa não foi suficiente, os desenhos começaram a subir pelas
paredes. E então eles foram para rua. Para o mundo. Temos muitas pinturas
residenciais. Os pedidos e os tipos de clientes são os mais variados. E sempre
criamos um projeto específico, ou seja, criado para determinado lugar, de
acordo com o seu entorno, com as suas características. Desta forma, funciona
muito bem para residências. No nosso caso, ao invés de trazer uma parede da rua
para casa da pessoa, criamos uma para ela no seu espaço uma parede que poderia
estar na rua, em qualquer lugar, mas que ali faz muito sentido.
É frequente que essas pessoas cansem dos desenhos? O que
pode ser feito quando isso acontece?
Há oito anos fazemos projetos desse tipo. Nunca soubemos de
algum cliente que tenha se cansado, mas talvez ele apenas não nos informou.
Quando desenvolvemos o projeto, o cliente é uma grande fonte de referências,
alinhado à nossa linguagem. Por receber uma pintura que vai muito de encontro
com seus desejos, talvez isso demore mais a acontecer. De qualquer maneira,
pode ser que esse dia chegue. E aí, umas boas demãos de tinta branca resolvem o
problema. E depois, é só chamar a gente de novo, nos atualizar sobre seus
quereres que rapidamente surge uma novíssima parede pupillística.
Recentemente, vocês lançaram o projeto Orgasmus Multiplus.
Também em outros trabalhos vocês expressam a naturalização do prazer feminino.
Por que vocês escolheram esse tema? Qual a importância de retratá-lo numa
sociedade ainda muito machista como a nossa?
O projeto
Orgasmus Múltiplus surgiu da série de pinturas "orgásmicas" nas quais
ilustramos corpos femininos nus em meio a natureza. Esses corpos também são
natureza bruta. Selvagem. O corpo feminino é repleto de simbologias. E é
podado, oprimido, censurado. Há centenas de anos e até hoje. Essas simbologias,
em grande parte, são relacionadas a uma sexualidade que quase nunca diz
respeito à natureza e ao prazer feminino. A mulher nua e seu prazer estão quase
sempre a disposição do prazer alheio, como um troféu quando dentro dos padrões,
e com escárnio quando estão fora. O prazer sexual e o corpo feminino, ainda em
2015, são usados para desqualificar as mulheres. Nosso trabalho propõe uma
nudez bruta e natural, que ganha simbologia sexual no momento em que esta
mulher decide que quer usar seu corpo para isso. E nada melhor do que ser
íntima do próprio corpo. Visto o tamanho interesse de diferentes mulheres por
essa série, começamos a pensar de que forma poderíamos dialogar mais com elas.
De que forma elas poderiam colaborar com nossa pesquisa e também fazer parte do
projeto. Foi então que pensamos em coletar relatos sobre orgasmo, que nos
servissem de inspiração para as pinturas. Os relatos são livres e anônimos. O
mais incrível do processo de construção deste projeto é perceber o quão pouco
as mulheres se propõem a pensar, falar, escrever sobre isso e como isso foi
estopim para muitas delas começarem a pensar.
NAMU.COM.BR