Para conhecimento.
Renato Ribeiro
Atum-azul em Perigo
Nos últimos tempos, a pesca predatória nos oceanos reduziu o estoque de vários peixes de forma dramática. No Mediterrâneo, doze tipos de tubarão estão comercialmente esgotados. No mar do norte, o bacalhau praticamente desapareceu. Agora, a ameaça recai sobre um dos peixes mais apreciados do mundo, o atum-azul, cuja carne macia e saborosa – principalmente na região da barriga – é usada na confecção dos melhores sushis e sashimis.
Existem vários tipos de atum. O atum em lata, servido em sanduíches e saladas, pode ser tanto o bonito-de-barriga-listrada, espécie de 1 metro de cumprimento, pescado em grandes quantidades em todo o mundo e servido como “atum de carne leve”, quanto a albacora, peixe de pequeno porte, comercializado como “atum de carne branca”. A albacora-de-laje e a albacora-bandolim são espécies maiores e muito pescadas, mas não servem para o preparo dos mais finos sushis, então são servidas grelhadas. Já o atum-azul, um gigante entre os peixes, é a primeira opção de escolha para o preparo dos sushis e sashimis e um dos pescados mais desejados o planeta. Por isso mesmo é que o atum-azul é provavelmente a espécie mais ameaçada dos peixes grandes. A sobrepesca negligente está levando esse peixe à extinção e, a menos que empresas de pisicultura aprendam como criar o atum-azul em cativeiro, ele poderá desaparecer em curto tempo.
Com peso máximo, até agora registrado, de quase 700 kg e 4 metros de comprimento, o atum-azul é uma massa de músculos superaquecidos que corta as águas dos mares e dos oceanos, sacudindo a cauda em forma de cimitarra. Enquanto a maioria das cerca de 20 mil espécies de peixes conhecidas são de sangue frio, ou seja, a temperatura do corpo é igual àquela da água que as envolve, o atum-azul é das poucas espécies de peixes de sangue quente. Quando mergulha á profundidade de 1 km, onde a temperatura da água chega a 5C, o atum-azul pode manter a temperatura do corpo a 27C, muito próxima á dos mamíferos. O atum-azul pode nadar no máximo a 80km/h num arranque súbito e atravessar o atlântico em menos de 60 dias. Os pesquisadores descobriram que a eficiência de cauda está na interação dos vórtices criados pela rápida flexão da estrutura. Reprodução: As fêmeas produzem mais de 10 milhões de ovos por ano. Um peixe recém-eclodido (a larva) tem cerca de 3 mm de comprimento e cresce a taxa de 1 mm por dia. Expectativa de vida: a larva do atum-azul tem apenas uma chance em 40 milhões de conseguir chegar á maturidade, mas um atum-azul adulto pode viver cerca de 30 anos.
Preço: Em 2001 um atum-azul de 200 kg foi arrematado no mercado japonês de peixes por US$ 173.600,00 mais ou menos US$ 870,00 o quilo.
Assim como os lobos, os atuns-azuis freqüentemente caçam em grupo. O cardume assume a forma de uma parábola que vai se aproximando rapidamente da sua presa, até fechar o cerco. O atum-azul está adaptado metabolicamente para perseguições em alta velocidade, mas, como predador oportunista (e, por necessidade, compulsivo), comerá qualquer coisa que estiver ao seu alcance, sejam cavalas de nado ligeiro, linguados que vivem no fundo de areia ou esponjas de hábitos sedentários. Um estudo do conteúdo estomacal do atum-azul da Nova Inglaterra, realizado por Bradford chase, do Departamento de pesca Marinha de Massachusestts, que o item alimentar predominante, por peso, foi o arenque atlântico, seguido por galeotas americanas, anchovas e lulas. Também encontraram a merluza prateada, linguados, savelha, cavalo-marinho, bacalhau, solha, pescada-polaca, peixe porco, peixe agulha, peixe-escorpião, cação-espinho, arraia, polvo, camarão, lagosta, caranguejo, siri, salpa e esponja. O atum-azul comerá tudo aquilo que puder apanhar; e ele consegue capturar quase tudo que estiver flutuando, rastejando ou parado no fundo do mar. De maneira geral, o sentido que eles mais usam durante a caça é a visão.
O atum-azul nem sempre foi considerado uma iguaria. No começo dos anos 1900 esse peixe era conhecido como “cavala”, e sua carne vermelha, de sabor marcante, era julgada apropriada apenas para alimentar cães e gatos. Os grandes pescadores de Nova Jersey e da Nova Escócia, entretanto, pescavam o atum-azul pelo fato de o grande peixe ser considerado um adversário de respeito. Zane Gray, autor popular de romances de faroeste como o forasteiro, investiu a maior parte dos seus lucros, que não eram poucos (seus livros atingiram a marca de mais de 13 milhões de exemplares vendidos), em equipamento de pesca, barcos e viagens para locais exóticos à procura de atuns, peixes-espada e marlins. Embora o peixe-espada fosse comestível, o atum e o marlim eram vistos apenas como objetos caça, troféus. O atum-azul veio a se tornar um peixe de valor comestível só a partir da última metade do século 20, quando o sushi se espalhou pelos cardápios do mundo todo. Pode-se dizer que pratos como sushi e sashimi fazem parte da alimentação japonesa há séculos, mas na verdade a difusão do consumo de peixe cru é fenômeno relativamente moderno. Sempre na dependência do mar como provedor de grande parte da proteína de sua dieta, os japoneses não podiam estocar os peixes durante longos períodos de tempo por causa da deterioração. Então eles deviam ser defumados ou conservados e salmoura para não estragar. Depois que os refrigeradores foram introduzidos no Japão pós-guerra, os peixes foram estocados quase indefinidamente. Quando a indústria pesqueira adotou novas tecnologias de pesca, como o espinhel (que usa longas linhas de onde saem vários anzóis com iscas), redes de arrasto (grandes redes que permitem pescar cardumes inteiros) e congeladores a bordo, as circunstâncias tornaram-se propícias para uma modificação sem precedentes dos hábitos alimentares japoneses. O atum-azul passou de um peixe que os samurais nunca comiam, por sua carne ser impura, a maguro, iguaria que pode ser tão caro quanto a trufa ou o caviar. O toro, maguro de melhor qualidade, vem da carne rica em gordura do abdômen de um atum-azul adulto. A trufa e o caviar são caros por serem raros, mas o atum-azul, que antes não era apreciado, podia ser encontrado em grandes cardumes a pouca distância do litoral, logo se tornando uma iguaria apreciada internacionalmente. Em 2001, um único atum-azul foi vendido por US$ 173.600 no mercado de peixe Tsukiji, em Tóquio.
Nos Estados Unidos, onde comer carne crua era tabu há até 40 anos, o sushi e o sashimi tornaram-se pratos bem conhecidos. O restaurante chamado Massa, tornou-se o restaurante mais caro da cidade; um almoço ou jantar para dois facilmente pode exceder US$ 1 mil. Isso explica por que um peixe que pode ser vendido a centenas de dólares a posta está atraindo cadê vez mais o interesse das grandes indústrias pesqueiras. Todo esse ímpeto em abastecer o mercado japonês de sushi e sashimi tem intensificado a pesca do atum-azul por todo mundo. Os japoneses tentaram encher suas despensas (bem como os frigoríficos e mercados de peixe), com atuns originários de suas próprias águas, como o atum-azul do pacífico (thunnus orientalis), mas logo viram que os atuns eram maiores e mais abundantes no Atlântico Norte. A partir daí os compradores da importadoras japonesas começaram a freqüentar cada vez mais as docas de portos americanos, caso de Gloucesster e Barnstable, em Massachusetts, prontos para testar o teor de gordura dos atuns. Os peixes que passavam no teste eram comprados ali mesmo e embarcados para o Japão.
Em 2006 a World Wildlife Found (WWF) reivindicou o fim de toda pesca de atum no Mediterrâneo, mas considerando que se trata de atividade altamente lucrativa, pode-se imaginar como esse apelo foi “eficaz”. Em sua última reunião, realizado em novembro de 2007, o ICCAT (a Comissão Internacional para a Preservação do Atum do Atlântico) ignorou os argumentos dos conservacionistas e estipulou as cotas de 2008 aproximadamente para o mesmo nível daquelas de 2007. A organização adotou um plano para diminuir a pesca do atum Mediterrâneo em 20%, por volta de 2010, seguida de mais redução a partir daí, mas o diretor da delegação dos Estados Unidos foi contra essa medida paliativa, dizendo que o ICCAT “não cumpriu a missão para a qual foi fundado”. Mesmo se fossem estipuladas cotas menores, o atum-azul ainda assim estaria em perigo. A indústria pesqueira está repleta de frotas irregulares e ilegais que ignoram cotas, restrições, fronteiras e quaisquer outras regras e regulamentos que possam ameaçar seus negócios. Além disso, o mercado japonês que devora cerca de 60 mil toneladas de atum-azul todos os anos, mais de três quartos da pesca global. Só quer saber de comprar o atum, venha de onde vier e independentemente de como esses peixes são capturados. Os pesqueiros japoneses sempre dão um jeito de burlar até mesmo as restrições impostas pelo seu próprio país, capturando milhares de toneladas de atum ilegal todos os anos e então falsificando seus registros. Seria um enorme avanço se a pesca desse peixe não fosse praticada de modo desumano, mas isso implicaria nada menos que uma mudança nos princípios da natureza humana. Enquanto as populações de atum-azul continuam a diminuir, a demanda japonesa por toros está crescendo; menos atum será sinônimo de preços mais altos, o que por sua vez, poderá levar a uma pesca mais intensa. O aumento da pesca resultará, certamente, em menos atum. Tudo poderia ser diferente se os japoneses diminuíssem a sua demanda por maguros, mas isso parece ser tão improvável quanto esperar que os americanos deixem de comer hambúrguer. Talvez as coisas estejam piores no Mediterrâneo. Empregando idéias e tecnologias originalmente desenvolvidas no sul da Austrália (com atum-azul do sul, Thunnus maccoyii), os pescadores encurralam grandes cardumes de atuns de médio porte, confinando-os em gaiolas flutuantes, que depois são arrastadas até as fazendas marinhas. Lá os peixes são alimentados e engordados até que possam ser abatidos e embarcados para o Japão. Existem regras que proíbem as frotas pesqueiras de capturar atuns de pequeno e médio porte no Mediterrâneo, mas nenhuma que impeça a captura e a engorda de indivíduos jovens demais em gaiolas flutuantes.
Todos os países do Mediterrâneo (com exceção de Israel) tiram vantagens desse “furo” na lei e mantêm fazendas marinhas em seu litoral. Pescadores da Espanha, França, Itália, Grécia, Turquia, Chipre, Croácia, Egito, Tunísia, Argélia, Marrocos e Malta estão capturando centenas de milhares de atuns que ainda não atingiram a maturidade. A melhor receita para acabar com uma população de peixe é esta: capture-os antes que estejam desenvolvidos o bastante para poder se reproduzir; mantenha os confinados até que possam ser abatidos. As fazendas de atum, outrora consideradas a solução para o problema, estão agravando-o cada vez mais.
Em 2005, John Marra, oceanógrafo previu que a pesca comercial oceânica não durará muito tempo. No mundo todo, falhamos no manejo dessa atividade. Em poucas décadas, não haverá mais pesca a ser administrada. Segundo Marra, a domesticação em larga escala dos mares e dos oceanos com criadores de peixes reproduzindo, criando e capturando, comercialmente, as espécies mais valiosas. Marra reconhece que certas fazendas marinhas provocam sérios danos ao meio ambiente. Elas poluem os ecossistemas costeiros, prejudicando as populações naturais de peixes pela disseminação de doenças e de produtos tóxicos. A solução, de acordo com o pesquisador, seria a mudança das chamadas “atividades de maricultura” para zonas bem mais distantes da costa, fora da plataforma continental. Lá seriam dispostos grandes “currais” flutuantes (estruturas cercadas por redes com aproximadamente 100 mil m3 de água), que poderiam ser rebocados de um destino a outro. Essa estratégia, pelo menos, dispersaria os poluentes gerados pela prática da maricultura, diminuindo assim os danos ambientais.
A reprodução do atum-azul em cativeiro é o maior desafio. Uma empresa que está tentando realizar essa façanha é a Clean Seas Aquaculture Growout, do stehr Group em Port Lincoln,
Sul da Austrália. O governo Australiano concedeu à empresa uma subvenção de US$ 3,4 milhões para a ajudar na comercialização do atum-azul criado em cativeiro. A companhia está cultivando o olho-de-boi (Seriola lalandi) e a corvina-africana (Argyrosomus hololepidotus), hoje produzidos comercialmente. Em outubro de 2006, a Clean Seas transportou por avião um estoque de atum-azul do sul (machos e fêmeas sexualmente maduros) de seus currais para tanques de 3 milhões de litros, projetados para reproduzir condições ótimas de desova. Após a desova, os atuns são transportados através do mar para as fazendas marinhas e cada gaiola contém cerca de 250 atuns, São alimentados até que estejam gordos o bastante para serem vendidos. Peças frescas de atum são enviadas ao Aeroporto Internacional de Los Angeles, onde são embarcadas em vôos diretos para o Japão. De uma maneira ou de outra isso teria de acontecer, pois a sobrevivência da espécie e a indústria do atum dependem disso.
Sul da Austrália. O governo Australiano concedeu à empresa uma subvenção de US$ 3,4 milhões para a ajudar na comercialização do atum-azul criado em cativeiro. A companhia está cultivando o olho-de-boi (Seriola lalandi) e a corvina-africana (Argyrosomus hololepidotus), hoje produzidos comercialmente. Em outubro de 2006, a Clean Seas transportou por avião um estoque de atum-azul do sul (machos e fêmeas sexualmente maduros) de seus currais para tanques de 3 milhões de litros, projetados para reproduzir condições ótimas de desova. Após a desova, os atuns são transportados através do mar para as fazendas marinhas e cada gaiola contém cerca de 250 atuns, São alimentados até que estejam gordos o bastante para serem vendidos. Peças frescas de atum são enviadas ao Aeroporto Internacional de Los Angeles, onde são embarcadas em vôos diretos para o Japão. De uma maneira ou de outra isso teria de acontecer, pois a sobrevivência da espécie e a indústria do atum dependem disso.
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